Mitologia, Kardec e Maria - uma reflexão sobre natureza biológica de Jesus (Jorge Hessen)
Jorge Hessen
jorgehessen@gmail.com
Brasília/DF
Os evangelhos de Lucas e Mateus descrevem que
Maria manteve-se “virgem” e que Jesus hipoteticamente fora concebido pelo
"Espírito Santo", ou seja, a concepção de Maria acontecera de forma
"sobrenatural", sem a participação do esposo, conquanto já fosse recém-casada
com José à época.
A crença na virgindade de Maria e a suposta
“fecundação divina” nada mais é senão uma “fotocópia” rudimentar, diríamos, uma
imitação burlesca, dos mitos pagãos organizados pelas castas sacerdotais
ancestrais. A explicação desses pormenores históricos é indispensável ao
espírita, para preservar-lhe contra as deturpações místicas impostas por
longos anos pela tradicional instituição “unificadora” do Brasil. Até
porque pesquisas e estudos sobre a fábula mitológica, bem como da História das
Religiões, comprovam de maneira categórica a origem da alegoria do nascimento
virginal.
Indubitavelmente o Evangelho sofreu a
influência da mitologia grega. Por isso, devemos separar o mito helênico do que
é ensinamento moral. A rigor, foi exatamente por isso que Allan Kardec, ao
publicar “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, transcreveu tão somente o ensino
moral de Jesus.
Historicamente, a “virgindade” de Maria
embrenhou-se de tal forma no imaginário coletivo dos cristãos que se incorporou
ao seu nome. É verdade! A “virgem Maria” transformou o filho Jesus em vulto
mitológico, e nada melhor para exaltar o “homem-deus” do que situá-lo como
filho de uma “virgem”. Por falar nisso, Allan Kardec fez oportuno ensaio
comparativo a respeito das teorias do pecado original e da virgindade de Maria,
situando a mãe de Jesus como virgem, não do ponto de vista biológico, mas sob o
enfoque espiritual. [1]
Em conformidade com determinadas narrativas do
Evangelho, Maria teria recebido a visita lendária de um “anjo” de nome Gabriel,
o qual anunciou à jovem sua “fecundação” através da intervenção do
"Espírito Santo". Ora, a Doutrina Espírita nos convida a desenvolver
uma fé raciocinada, analisando sensatamente as narrativas do
Evangelho. Ante os dilemas interpretativos dos conceitos literais escritos
pelos apóstolos, o Codificador advertiu que a religião deve caminhar em
consonância com a ciência, de modo que a primeira não ignore a última, e
vice-versa.
Cá para nós, qual seria a desonra de Maria
sobre a maternidade segundo as leis biológicas? Teria ela traído José e se
“corrompido moralmente” conforme já ouvimos de alguns? O que pensar da oblata
suprema de Jesus no Calvário se seu corpo fosse um sortilégio
“quintessenciado”? Seria uma representação ridícula! Será que dá para conceber
o Cristo (MODELO) imune de dor, em face do seu corpo ser energeticamente
“sutilizado”, enquanto os primeiros cristãos mergulhados na carne seriam devorados
pelas feras nas arenas romanas?
Não paira nenhuma dúvida de que Maria
foi um Espírito muito elevado moralmente, razão pela qual recebeu a missão
sublime de gestar o “MODELO e Guia” da humanidade. Porém, Jesus foi
ridiculamente transformado numa figura mitológica e, sendo um “ídolo
deificado”, não poderia ter nascido do “pecado original” das tradições
adâmicas. O fato de Jesus ter sido concebido de forma “milagrosa” contradiz as
vias naturais de reprodução humana, e para a Doutrina dos Espíritos esta é uma
questão de elevadíssima importância, uma vez que a fecundação biológica é uma
decorrência das Leis Naturais.
Em resumo,
reafirmamos que a fecundação de Maria se deu por vias decididamente normais,
através da respeitosa comunhão sexual com seu esposo, tal como ocorre entre
todos os casais equilibrados da Terra. Em face disso, Kardec apresenta Jesus
como o MODELO mais perfeito para a evolução humana; logo,
o seu corpo deveria ter a mesma constituição biológica daqueles aos quais ele
deveria servir de MODELO, e seu testemunho basear-se na
subordinação às leis naturais.
Ah!, dizem que
a ciência pode gerar um humano através da fertilização in vitro ou outros métodos não
uterinos. Ora, ainda que o perispirito de Jesus seja o mais
puro da Terra, Ele não derrogaria as leis de reprodução. Portanto, Jesus
não poderia aparentar estar
biologicamente encarnado, senão o período da manjedoura até a cruz teria sido
um simulacro de um ilusionista amador ou uma caricata encenação teatral.
Sob o ponto de vista da lógica kardeciana,
a humanização de Jesus torna os cristãos mais esperançosos na autotransformação
moral, pois leva seus seguidores a serem mais disciplinados e conscienciosos.
Do contrário, a “deificação de Jesus” faz do “MODELO e Guia” uma
entidade inalcançável, e assim torna suas lições inexecutáveis, pois são
atos próprios à vida de um “extraterrestre” ou do próprio “Deus” (para os
místicos).
A concordância com o “Jesus mitológico”
abre precedentes para outros entendimentos igualmente lendários a respeito da
vida e do legado do Mestre de Nazaré, mas infelizmente, apesar de serem
ideias extravagantes, acabam sendo admitidas como verdadeiras a partir da
aceitação de premissas ingênuas.
Como analisamos, o
Espiritismo alerta para uma visão da natureza biológica de Jesus, desmistifica
a virgindade de Maria, mostrando sua grandeza maternal. A legítima literatura
espírita juntamente com os ensinamentos recebidos dos espíritos superiores
(durante a Codificação) garante que Deus jamais quebraria a harmonia das leis
da natureza. Por que haveria Jesus de desrespeitar a lei de reprodução biológica?
Referência bibliográfica:
[1] KARDEC, Allan. Revista Espírita, janeiro de 1862, Brasília: Ed. Edicel, 2002